O Romanceiro
Vinte e quatro sóis
acesos no meu caminho
um grito coagulado
na fuga desperto
e debruçada nos meus olhos
caminhaste o filho da noite inteiro.
Vinte e quatro sóis
acesos dentro de mim
um grito assassinado no peito
deflorando o sono da fuga
nas imaturas distâncias
onde perdido deixei
o cântaro último da fé
Penetrando nos meus olhos
violentaste o aviso da proibida
entrada perambulando
como se fosse quarta-feira e colhendo
numa primavera de sonhos nos jardins
do que fui vinte e quatro sóis azuis
que sem saber p´ra você eu guardei
Na avenida de cantos
renasceste do meu peito no teu mundo
pisando as pedras do meu caminho
e lançaste o pregão ao vento :
Ele está renascido
estive lá dentro dele
e vi flores e prantos
e notas e dores e cantos
nos recantos escondidos
de não mostrar a ninguém
fui estranha em ruelas sem passado
conseguindo o norte encontrar
depois de caminhos tantos
Sim, eu sei, tu descobriste
o grito há tanto escondido
Nasci em tempo de festival
meu mundo incompreendido
tem notas que são espinhos
tem flores embrutecidas
rebentadas no meu peito
tem cantos são sentidos
que às vezes eu mesmo sinto
ter tão estranho nascido
Estranho, nasceste sim
estranho cantor eu sei
na estranheza do teu canto
existe um outro encanto
embora não saibas qual seja
é o encanto das flores mutiladas
na fronteira dos teus olhos
é a fuga dos teus lenços
num cais já vazio
é o grito acorrentado
no alagado do teu peito
O teu encanto é o gemido guardado
e nunca soluçado
nas tuas mãos de poeta!
Sim, eu sei, tu descobriste
o meu grito
de vinte e quatro sóis
amanhecidos no peito,
e sei que nos limites
do que sou
ou nas amarras do meu verso
como pomba artesã
na minha lira te encontro
Poeta, o meu nome é infortúnio
somos pó na mesma estrada
e nem assim nos encontramos
somos água de um só rio
que não corre o mesmo leito
no teu peito a esperança
é terra já amanhada
no meu corre a solidão
na roca do meu sonhar
Teu suspiro não assino
nem teu pranto faço meu
no tear da esperança
há um riso que se alcança
quando o linho dá um nó
há um vento que levanta
do passado o areal
e um sol que o sepulta
quando o fuso entristecido
faz da curva o seu caminho
A esperança rebentada no meu peito
poeta é uma flor desesperada,
traz no seio o escarlate
das visões de fome e guerra,
nas veias abertas o choro
de crianças abandonadas
das farpas que me protegem
emanam dores e gritos
não há roca nem esperança
p´ra quem vive de amanhar
choro, dor, lamento e pranto
Infortúnio, Infortúnio,
não há poço sem um fundo
nem túnel sem uma luz
a corda não é sempre
do enforcado o colar
nem a semente fenece
sem antes dela brotar
o fruto, a flor e a sombra
e mesmo nas mãos vermelhas
das abelhas lívidas
há um néctar
de esperança a ser sugado
Poeta!
Sonhas e deliras quando esperanças alardeia
desespero é o cavalo ao qual me encilhei
as abelhas de que falas aninhadas se encontram
no ventre das minhas aranhas minhas
flores enlouquecidas giram
ao redor de um fuso sem linha no meu tear
Donde vens Infortúnio!
onde as sombras
que te abrigam
Venho de longe e de perto
do tempo sou viajante
nas canaletas da dor
fui Sabra, Chatilla,
Treblinka, Sorbibor
Quem me viu Sabra conhece o
amontoado das minhas fugas
e a profundidade da angústia
revelada na aspereza dos meus
cactos mas sabia quanto
eu era terna e doce
Quem me conheceu Chatilla
sabia-me flor nascida em lodo,
de mãos desarmadas,
e vivendo como uma rosa
pelo espaço de uma manhã
Quando Sabra e Chatilla fui
tive os braços levantados
e os gestos inconclusos
e me vejo ainda nas flores
rebentadas no peito
daquelas mulheres
Não procures Poeta o insondável
com teu verso desvendar somos
do mesmo caminho as pedras
e nem assim nos conhecemos
somos da mesma luz a cor
e nem assim tu me iluminas
Infortúnio, Infortúnio!
há mil anos nossas palavras
são sussurradas e encalacradas ao peito
sem ouvidos a ouvi-las e dizer que a tua
voz me é conhecida como a serra que me
teve em berço, e dizer que sei teu nome
embora de Infortúnio não a chamasse
nos meus sonhos, rota e triste
te chamava Liberdade... Liberdade
Morto o tempo Poeta em que Liberdade
fui chamada, antes aurora brilhante
houve vácuo, mais nada,
daquela imagem altiva a sombra se apagou
nem o eco, da solidão o amante,
guardou os meus passos, na poeira desandados
Infortúnio ou Liberdade
em dor também me vi envolto
passou como um vendaval
destruiu, arrancou,
renasci sem o riso
insensível ao pranto
e, com uma estrela
incrustada no peito
me fiz poeta do esquecimento
Como a fênix
das cinzas renascida
esbocei levantar-me do desespero
tentando esquecer as mãos que se estenderam
para apagar as minhas estrelas
As minhas asas dilatadas
se enfunavam de sonho e fantasia
e no alto do meu horizonte
um rosto vagava, diluído
Eras tu Liberdade, a pomba órfã
voluntária e sozinha voando
contra o Levante, as esquecidas asas
não voavam em meu caminho e o vento,
meu irmão, aprendeu a criar sombras e
nuvens de não ver
E eu que queria uma luz acender
no ventre das estrelas
enlouquecidas de sombras
contentei-me em apagar a chama
que por meu nome o peito ardia
Cimentada nos meus passos
trago viva a esperança
de no galope azul do vento
nos quatro cantos do mundo
o meu nome ecoar.
Invadindo os teus olhos
percebi a antiga chama
e no gemido guardado e nunca
soluçado nas tuas mãos
de poeta aninho a esperança
de brilhar a minha luz
Sim, eu sei, tu descobriste
o meu grito de vinte e quatro sóis
amanhecidos no peito
José Carlos Souza Santos
1 comentário:
Boa noite...lindo amanhecer...Bjks doce ♥.
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